domingo, 21 de junho de 2015

BOLINHO DE JESUS OU ACARAJÉ DE IANSÃ? CRESCE A DISPUTA PELO USO DO TERMO.

Os sete bolinhos pulam do tabuleiro e marcam território no pequeno largo do Canela Salvador (BA). A dona do espaço ali é Iansã. “A gente ‘arrêa’ sete acarajés para saudar os orixás e ter uma boa venda”.
Distante dali, no Pau Miúdo, o mesmo perfume de dendê, mas a conversa e outra . “Consagro meu acarajé a Deus! Nunca me vesti de baiana”.

Duas formas de vender o quitute mais famoso  da Bahia. Na primeira, Maria Aparecida Santos, 46 anos, a Cida de Nanã, assume a forma tradicional, com trajes típicos de baiana e iniciação no candomblé, de onde se originou a iguaria no culto a Iansã.
Na segunda, Edna Rodrigues de Lima, 55, evangélica que sustenta a família com seu “bolinho de Jesus” e uma banca com a inscrição “Deus é Fiel”.

No meio desse tacho de dendê com tantas formas de lidar com o bolinho, surge uma disputa tensa. Através da Associação das Baianas de Acarajé (Abam), com apoio do órgão federal que cuida do patrimônio histórico (Iphan), as baianas tradicionais resolveram partir para o ataque contra as formas modernas de produzir e vender o acarajé.

Contando com a criação de uma lei que proteja as expressões culturais tradicionais, elas querem proibir o que chamam de uso indevido do nome “acarajé”.

A polêmica surge no momento em que se completa dez anos que o ofício de baiana de acarajé recebeu o Registro de Patrimônio Imaterial Brasileiro, semelhante aos tombamentos de imóveis e monumentos, no dia 14 de junho de 2005.

“Em dez anos, tivemos poucas conquistas. Mas agora estamos decididas a acabar com distorções como o bolinho de Jesus. ''Senão, não faz sentido ser patrimônio imaterial”, diz Rita Santos, presidente da Abam.

Para as baianas tradicionais, existe uma forma correta de fazer e vender o bolinho. Em primeiro lugar, seria preciso respeitar-se a indumentária de baiana, que tem origem nas filhas e mães de santo das religiões de matriz africana.

Da mesma forma, os ingredientes utilizados na receita seriam necessariamente artesanais, feitos com feijão fradinho, sal, cebola, e só. No recheio, sem invenções, vai vatapá, pimenta, camarão, salada e, no máximo, caruru. “O caruru veio depois, mas pode entrar porque é comida de Xangô, ou seja, faz parte da culinária de santo”, explica Cida. São esses dois aspectos, receita e vestuário, que constam na Certidão do Registro do Ofício de Baiana de Acarajé.

Embate  
A evangélica Edna diz que o acarajé é uma mercadoria como outra qualquer. “Eu poderia vender milho, pastel ou qualquer alimento. O acarajé é o meu trabalho”, defende ela, que comercializava o bolinho antes mesmo de se converter à uma Igreja evangélica . “Vendo há 39 anos. Há 15, se tornei evangélica. Nunca usei roupa de baiana e não é agora que vou usar”, avisa.

E crente pode comer acarajé?

A verdade que Prato típico da culinária baiana, associado à cultura africana e ao candomblé rompeu questões religiosas para poder ser saboreado, pelos evangélicos.
E Para o pastor Abílio Rodrigues da Igreja Batista Renovação de Vitória,  "Comida é comida, mas a Bíblia prega que o homem deve se abster da prostituição e da comida consagrada aos ídolos. O bolinho não é o problema, a questão é a consagração", diz.
De acordo com o pastor, no momento da alimentação acontece uma aliança que deve ser feita de acordo com as crenças de cada um. "Isso deve ser observado em qualquer alimento, um pedaço de carne, um acarajé, balas de Cosme e Damião. Você é aquilo que você come, então um evangélico não deve comer um prato consagrado. Depois que descobri o acarajé gospel, até já experimentei", acrescenta.
Ele comenta que as consequências para quem comer um alimento consagrado são espirituais. "A pessoa não vai morrer ou desenvolver uma doença. Mas é preciso entender que o mundo espiritual pode interferir no real", completa o pastor.


A Associação das Baianas de Acarajé anunciou que vai entrar na Justiça contra qualquer um que tenha se apropriado do bolinho para comercializá-lo de forma deturpada. O Iphan apoia a ação. “Tem gente que está ganhando muito dinheiro com o acarajé, uma herança cultural constituída com muito sacrifício e suor dessas mulheres negras”, afirma a antropóloga Maria Paula Adinolfi, do Iphan.

fonte
correio da Bahia


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